terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Memórias e sabores

Sábado de Carnaval eu dei plantão de manhã. Pra pegar no tranco enquanto tomava meu Nescafé, estava assistindo o desenho do Sitio do Pica-pau Amarelo. Nesse episódio Emília conversava com Rabicó no pomar e estava muito amuada, porque tia Nastácia estava muito ocupada preparando alguma comida deliciosa e todos no sítio estavam empolgados. Emília não participou do entusiasmo, se afastou e ficou emburrada no pomar até a chegada do porquinho glutão. Ela confessou que o motivo de sua irritação era que não entendia a empolgação de todos com os quitutes que tia Nastácia estava fazendo, porque ela, Emília, não sentia gosto da comida. Rabicó ficou surpreso e desolado...”Como?  Não sente gosto de comida nenhuma?” e a bonequinha diz: “eu sou feita de pano, minha língua é de pano, não sinto gosto”. Não sei como acabou o episódio do desenho animado porque tive que pegar minha tralha e seguir o caminho da roça, mas fui pelo caminho pensando... Coitadinha da Emília!!! Que tristeza não sentir gosto dos  alimentos... Nem o ardido, nem o doce, nem o amargo, nem o salgado, nem o azedo, nem o “gosto sem gosto”, descoberto recentemente, aquela "trava" que alguns alimentos têm e faz toda a diferença...Ah, o   sentido do paladar! Que milagre da existência. Quanta sutileza no uso do sal, do açúcar, dos temperos, das texturas...  Essa sabedoria e refino no ato de nutrir-se que nos separa dos animais irracionais... Comer é bom demais. Fiquei curiosa pra saber como terminou o episódio, espero que esse dilema da Emília, personagem tão curiosa, não ter o maravilhoso  sentido do paladar, tenha sido resolvido... Torço para que o roteirista tenha achado uma boa solução. Aí me recordei das modas dos alimentos. Gente, me veio à memória aquelas modas de alimentos que, de repente, eram os salvadores  de todas as mazelas do mundo. Quandoeu era pequena, uma de minhas irmãs tinha bronquite. Aí uma vizinha da minha mãe apareceu com um vidrinho cheio de um besourinhos que pareciam caruncho, e comiam a casca do amendoim, e colocavam seus ovinhos  dentro de uma camada de farinha de mandioca... a criança doente tinha que tomar o “Caldo do besourinho”—nunca soube o nome desse inseto—vou chamá-lo assim...  colocava-se uma porção dos bichinhos numa xícara com chá ou leite quente. Quando o bichinho morria afogado coava-se o líquido e dava pra pessoa doente beber.  Lá em casa os tais bichinhos viraram uma febre, eles superpovoavam o vidro de maionese, aí tinha-se que criar uma nova colônia dos bichinhos em outro vidro de maionese e doar pra alguém. Uma vez  fomos passar uma semana na praia e os bichinhos ficaram, quando voltamos acho que todos estavam mortos. Acabou a moda dos bichinhos. Depois teve a moda do pão, que se fazia  a partir de um fermento que uma vizinha preparava, dividia em três partes, fazia o pão com uma parte do fermento, dava a outra parte pra algum vizinha, que fazia um pedido enquanto amassava o pão e a outra parte guardava para preparar outro pão.. A  mãe logo desistiu de continuar fazendo o pão. O pão era uma delícia, lembro do cheiro até hoje. A  mãe do meu melhor amigo, o Beto, continuou fazendo durante um bom tempo. Era bom demais. Também tinha os lactobacilos do iogurte... Sempre tinha iogurte natural em casa, porque o tal fermento do iogurte crescia e se multiplicava... Eles pareciam um punhado de sagu. Engraçado que a gente não podia ter nenhum cachorro ou gato em casa porque dava trabalho, mas minha mãe cuidava de todos esses seres estranhos porque eram alimento... E a alga que tinha que ser mantida no chá preto e que o caldo era emagrecedor??? Essa alga, confesso  que eu gostava de comer os pedacinhos dela que tinham textura de cogumelo, ou de gelatina dura e eram adocicados. Engraçado que não me lembro desses alimentos , que tinham status de remédio---ou de simpatia-- terem deixado qualquer pessoa  da minha família rica, como no caso do pão, ou magra , como no caso da alga, e sequer sem doenças respiratórias, que era o caso dos besourinhos que pareciam caruncho  e do iogurte caseiro. Será que essas  modas de alimentos funcionais só existiam na minha casa ou no meu bairro??? Se você souber o nome dessas coisas de comer estranhas, ditas funcionais e provavelmente sem nenhuma comprovação científica, que foram moda nos anos 70-80, compartilhe! Vou gostar de saber que não estou sozinha no meu mundo de memórias gustativas.